domingo, 15 de fevereiro de 2009




Sexta-feira, fim de tarde, recebo um telefonema do A. que me pergunta se levo muito tempo a fazer uma mala de fim-de-semana, farto de saber que está sempre pronta.
Antes das 8 da tarde já estamos a caminho, rumo a Oeste com paragem obrigatória na Foz onde nos esperam uns amigos para uma jantarada de lulas, boa comida, boa companhia e um vinho macio e quente somados à cadência doce do mar fizeram-me adormecer sem demora, sem sonhos sem sobressaltos.
Acordamos cedo, a cabeça e os olhos cheios de sol e de mar a boca inundada pelo travo forte da maresia, oiço o grito das gaivotas que me chama e salto da cama, ao encontro da minha amiga, chego perto dela e acho que os nossos olhos se encontram ao mesmo tempo, transbordados de lágrimas o abraço forte, o reencontro de grandes amigos tem que ter sempre lágrimas senão não é verdadeiro - ai que saudades madrinha.
Combinamos almoço para o dia seguinte que hoje é dia de venda e os homens só amanhã não vão ao mar.
Enquanto todos conversam à volta do almoço que vai chegando ao fim, olho-os um a um tentando determinar há quanto tempo cada um deles entrou na minha vida, no meu rol de amigos, começou a fazer parte da minha vida.
Por exemplo, a Maria Emília, sempre alegre, cheia de força, simples, modesta e no entanto uma mulher excepcional, uma MULHER.
Lembro-me dela desde que éramos duas gaiatas pequenas , lembro-me dela a espreitar atrás das saias, de todas as sete saias que a mãe dela orgulhosamente usava quando canastra à cabeça ia oferecer à nossa porta na Nazaré, o peixe arrancado ao mar nessa noite pelo pai e pelo avô. Cesaltina, chamava-se Cesaltina a mãe da Maria Emília, morta precocemente por doença traiçoeira o que levou a minha amiga a tomar o seu lugar ainda menina às vésperas de se tornar mulher, o lugar dela na venda.
Somos amigas, mas amigas, amigas, a sério desde esses dias da primeira infância em que a minha mãe as convidava a entrar a beber um café com leite, a comer uma bolacha de manteiga, um pão com doce ou queijo, delicadamente, pressentindo as longas horas já trabalhadas sem nada no estômago, enquanto se escolhia o peixe e conversavam.
Um dia a Maria Emília tinha permissão para ficar e ir connosco à praia, noutro tinha eu permissão para ir com elas à venda.
Crescemos, deixei de passar tanto tempo como o que era habitual na Nazaré mas continuámos a partilhar segredos novidades, paixões, por carta por telefone, fazíamos breves estadas em casa uma da outra.
As nossas vidas tomaram rumos diferentes, as nossas vidas foram aliás sempre diferentes, contudo sempre paralelas e a nossa amizade foi sempre igual, a cada ano mais forte.
Sou "trimadrinha" da filha dela, a Fátima, ou seja, madrinha de batismo, crisma e casamento, bem como madrinha da sua primeira neta a Inês.
Nunca em nenhum momento a vida ou qualquer tipo de estatuto nos afastou, não prescindo da companhia, da opinião e participação da Maria Emília na minha vida, nunca nos separámos, nem quando ela conheceu o António, natural de Peniche e que para lá a levou, quis a vida, caprichosa que eu passa-se a frequentar mais Peniche que a Nazaré.
Adoro transpor a porta pequenina daquela casa de pescadores na Papoa, sentir a autenticidade da alegria de me reverem, sentir as lágrimas de felicidade que me inundam os olhos sempre que os abraço.
Foi um inverno difícil para eles, as duas famílias, a dela e da filha dependem do mesmo barco que António comprou a duras penas onde trabalham pai, filho e genro, a ajudar ao sustento da casa a banca de venda de peixe da Maria Emília e da filha.
No entanto não me lembro nunca de os ver lamentarem-se, caem e levantam-se e já caíram muitas vezes e outras tantas se levantaram com determinação e coragem.
Timidamente ainda tentei que a Fátima optasse por estudar, estudou, completou o 12º ano e virou-se para o mar. Quem sou eu para contrariar esse chamamento.
Neste fim de Domingo confesso-me feliz por ser quem sou, por ter os amigos que tenho em tantas esquinas da vida, por nunca ter trocado ninguém por ninguém ou nada e ter conservado no meu círculo todos os que são importantes independentemente da importância que o mundo ou a vaidade, ou a vã estupidez dos homens tantas vezes, na maioria das vezes lhes atribui.

10 comentários:

Anónimo disse...

Que bonita esta amizade Tita.

Anónimo disse...

Desculpa saí anónima....

Mozka Tché Tché disse...

:) Não se comenta o que não se pode comentar.

Wish disse...

Que bonito...o post, e a amizade:)
Bj*

Teresa disse...

Oh Tita...
Que palavras tão sentidas. Iniciadas numa descrição de fim-de-semana, terminadas na verdade de sentimentos... sobre a AmIzAdE!

Que serenidade ler-te, hoje. Que valores partilhados...

Li-te e (re)li-te. Quatro vezes. Deixei-me levar por ti e fui para junto daquilo que também sinto quanto a AmIzAdEs que tenho cultivado, alimentado, amado.

Que engraçado: hoje ao almoço a conversa também foi sobre AmIzAdE... Num almoço onde se celebrava o AmOr. Falámos de todos os que nos amam tal como somos, que nos respeitam como somos, de todos os que estão com cada um de nós desde sempre e para sempre.
Partilhámos vivências, sentires, afectos de todos os que no têm acompanhado. a cada um. e de todos os que nos passaram a acompanhar e a estar presentes de afectos abertos, tal como estas tuas palavras...

Foi tão bom ler-te, Tita.

"(...) sobreviveria se me morresse um Amor. Mas jamais se perdesse algum dos meus Amigos."

Beijinho.

Hugs&Friendship!

Anónimo disse...

Rumei Sul... 125... Azul ou talvez com mais velocidade, não sei. Mas desta vez valeu a pena estava sol... havia até novos cafés com net e tudo... uma loucura :) claro, havia também mais gente! :(
ainda ssim, foi bom, porque chegada a casa (agora começa mesmo a soar a CASA) a net do indiano "aqui do lado também só fecha depois da 23:00.. Lucky hem? And then maybe, just maybe, NOT! ;)

Teresa disse...

"E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"

Vinicius de Moraes

(Assim é que é a citação.)

Beijo!

:)

mimanora disse...

!...ter conservado no meu círculo todos os que são importantes independentemente da importância que o mundo ou a vaidade, ou a vã estupidez dos homens tantas vezes, na maioria das vezes lhes atribui."

Essa é mesmo a verdadeira amizade.
Gostei tanto do post Tita.

pensamentosametro disse...

Pois é meus caros, os amigos meço-os pelo título da alma, pelo que valem como seres humanos, nunca pela conveniência e acreditem que tenho alguns amigos pouco convenientes apra os outros, claro que para mim imprescindíveis.


Bjos


Tita

V. disse...

Deixaste-me com um grande sorriso na cara :))
Bj, bom dia!