quinta-feira, 5 de junho de 2008

ABRI


Os olhos, lentamente, as horas, sabia-as sem precisar olhar o relógio.
Hora zero, a minha hora, o momento em que a luz começa a vencer as trevas.
Levanto-me com a pressa que a saudade dita, visto apressadamente o fato de banho, a t-shirt e os jeans gastos, calço os chinelos que tão bem conhecem as poucas pedras que nos separam da areia .

Mal piso a rua o frio da madrugada que se faz manhã, envolve-me, gosto, como gosto do cheiro forte, inebriante da maresia, das algas, dos limos. Estugo o passo e alcanço a praia, oiço o ranger da areia molhada sob os pés já descalços, cheguei, estou em casa.
Levanto finalmente o olhar e bebo o mar, lentamente, saboreando cada pedaço de prazer do reencontro, desta vez foi longa e dura a separação.
À minha frente a maior maré de lua que já vi, parece ser possível atravessar o oceano a vau.

Sento-me na areia e fico ali a sentir a humidade da manhã a fazer pesados os meus cabelos a embebedar-me de cheiros e sensações naquele momento egoísta, em que a imensidão do mar e da areia são meus, só meus e das gaivotas que à minha volta voejam soltando estridentes gritos.
Esta hora é a minha hora, a que me permite ver mais claro, embora me encontre envolta em neblina.

Os primeiros raios de sol, espreitam, tímidos e o céu começa a mudar de cor, conheço bem estes cambiantes, hoje vai ser um magnífico dia de sol.

Aceito o convite que lá de longe o mar me faz insistente e entro na água, gelada, revigorante, apetecível.
Caminho nas águas pouco profundas desfrutando da infinidade de pequenos mundos em miniatura que a maré de lua deixou a descoberto.
Entretenho-me e o tempo passa, começo a sentir o sol na pele, sinto o seu calor, mergulho.

Não sinto o frio estimulante da água, sinto-me flutuar, cair lentamente, abro os olhos e vejo os reflexos do sol, o azul do céu, a poalha de areia, silêncio total e lentamente começo a sentir uma sensação de conforto de torpor, agradável, impossível de descrever e sinto-me cair, cair, suavemente o corpo liberto de todo o peso.
Vinda de sítio nenhum uma mão, um braço, um rosto emoldurado por cabelos ondulantes de cor indistinta, sinto-me subir dentro do abraço daqueles braços em direcção ao céu, ao sol.
Abro os olhos, já não estou no mar, mas sim na praia que hoje se fez mais longe, deitada na areia.
Por cima dos meus estão uns olhos bem azuis que conheço há muito, tornados azuis escuros de preocupação, de temor, tento mexer-me, dói-me a cabeça, um líquido pegajoso e quente escorre-me pelo pescoço, auxiliada pelos olhos azuis agora mais claros, volto a casa, depois de um duche e de rápida visita do médico, confirma-se apenas o susto, recomenda-se que descanse.

A sós, enroscada na poltrona junto à minha janela, aquela que tem como único vizinho o mar, penso na mão e no braço, no abraço que me trouxe até à praia ao mesmo tempo que a dormência me vai conquistando, no limiar do sono e do sonho, penso ver, vejo, aquela figura branca indefinida que se vem fazendo presente.
De dentro do sono, do sonho, grito-lhe silenciosamente :
- Espera, quem és tu, o que aconteceu?
-Temos tempo, responde-me a figura enquanto se esfuma lentamente, da próxima vez que nos virmos , também tu estarás deste lado do sonho, não tenhas pressa.

8 comentários:

V. disse...

Bom dia Tita :)

Aguenta aí a cavalagem que nós ainda te queremos do lado de cá muito tempo.

Não trabalhes muito. Deixa alguma coisa para os outros dias, eheh

Bjokas e um dia bom

pensamentosametro disse...

Thunderlady,

O mar é benévolo e deixa-nos ir abusando, dá-nos sempre uma segunda oportunidade, uma terceira. Quando vê que não temos emenda, cobra.

Eu ando há anos a ver se não "pago a minha conta" que já vai longa.

Bjos


Tita

Mr X disse...

Estava a ver que tinhas ido de férias...

Gi disse...

Há mar e mar, há ir e voltar, sim?

pensamentosametro disse...

Mr. X,

Jamais sem antes avisar a freguesia o tempo é que não tem dado para grande coisa.

Gi,

:)

Bjos

Tita

Pulha Garcia disse...

"naquele momento egoísta, em que a imensidão do mar e da areia são meus". Bonito e bem escrito. Também gosto de ter a beleza natural só para mim...

M disse...

Bem, bela inspiração... real? Se foi, vê se te cuidas!!

Bjocas

pensamentosametro disse...

Pulha Garcia,
Obrigada pelas palavras. Estes meus momentos egoístas, têm-me ao longo do tempo sabido pela vida.

M,

Fizeste falta. Pois, como disse lá em cima, tenho que começar a ter mais cuidado. Um dia destes apresentam-me mesmo a conta...


Bjos


Tita