quinta-feira, 7 de agosto de 2008

AO FIM DE 30 ANOS


Volto a apoiar alguém numa viagem difícil, talvez das mais difíceis, dar a mão a quem, finalmente, resolve sair do armário.
Já lhe tinha percebido o medo, pressentido os modos, o que estava escondido, recalcado, os vários relacionamentos falhados, inexplicavelmente, os olhares, a sensabilidade e sobretudo uma imensa tristeza, enorme solidão, todos os sintomas estavam lá e ele sabia da minha disponibilidade.
Levou 18 anos a criar coragem para me ligar e dizer: - Tita, acho que sou gay, estou farto de viver escondido preciso de ajuda.


Como amizade, na minha boca não é palavra vã, disse que sim, prontamente, inundada de medo, admito, estavam bem patentes na minha memória todas as lutas, todas as batalhas travadas, algumas guerras ganhas outras perdidas, há trinta anos ao lado do João. Lembro-me bem das lágrimas, do desapontamento do repúdio da família, dos amigos, que voltam costas, das portas que se fecham e das janelas que não se abrem, abriram-se feridas antigas, senti de novo o aperto no peito, a tristeza, revivi dias, anos, amargos.
Os tempos são outros, as mentalidades também, pensei, vai ser menos difícil, menos doloroso.

Tristemente verifico que muito se apregoa nas tertúlias e nos programas de televisão, no parlamento, nas rodas políticas, toda a gente se afirma liberal, desprovido de preconceito, o certo é que a grande maioria mente.

Enverga a fatiota, empunha a bandeira do arco-irís porque é moda, porque parece bem, porque é preciso convencer os outros da nossa inteligência e altruísmo, mas na realidade , o dichote bacoco, a estupidez e a ignorância temperadas de doses homéricas do preconceito que dizem não existir continuam a imperar a marcar o passo e o compasso.

Quem ama de forma diferente da nossa, da dita normal, continua a ser olhado de soslaio, com desconfiança, continua a ouvir as portas fecharem-se atrás de si , continua a ouvir os comentários sussurrados:" este nunca me enganou, afinal o tipo é gay".

Desculpam-se os "amigos" com a falta de tempo, começam a rarear os convites para as festas e convívios, evita-se estar no mesmo café ou aceitar um até há poucos dias banal convite para o cinema.

Nas rodas dos que se diziam amigos, nascem autênticos grupos de linchamento quase ao jeito do Ku Klux Klan. Na área laboral passa-se exactamente o mesmo. O ontem super profissional não assumidamente gay é hoje relegado para segundo plano por conta da sua orientação sexual.

Por tudo isto é muito mais vos digo e daqui presto homenagem a todos vós, homens e mulheres que orgulhosamente, contra tudo e contra todos, decidiram levantar-se e dizer eu amo de forma diferente, eu sou gay, eu sou lésbica e orgulho-me disso!

11 comentários:

Gi disse...

Completamente de acordo contigo;
De qualquer maneira, na minha família existem gays e lésbicas, uns assumidos, outros nem tanto, mas têm sido bem aceites.
Pessoalmente falando, para além da família, também tenho amigos mas não posso dizer, ou seria hipócrita, que as suas manifestações amorosas em público não me causem um certo constrangimento.
Mas a dos heterossexuais também ... embora menos.

Espero que esse bracito/mão esteja a melhorar e nunca mais chegam as férias.
Beijos.

Gi disse...

Cá volto eu; ando tão fartinha que me esqueço de parte das coisas; quanto tempo demoraste a escrever o post?

pensamentosametro disse...

Gi,

Infelizmente a maioria da sociedade mesmo os que dizem que não pensam da forma mais preconceituosa possível.

Quanto ás manifestações de carinho em público, penso como tu, tanto me incomodam uns como outros. Há que saber distinguir entre gays e bichas tontas como diz o João...

AHAHAHHA, pouco tempo, comecei na segunda-feira.

Bjo


Tita

Anónimo disse...

A diferença entre o que alguns apregoam e a forma como agem quando confrontados com as situações, encontram-se a cada esquina. Na sexulaidade, na xenofobia, no racismo,no casamento, etc.
Não é só o poeta que é um fingidor... são muitos os que se apregoam defensores de determinados valores que na prática não aplicam.
Parabéns pelo post

Gaseificado disse...

Tenho amigos homosexuais, tenho amigas lésbicas. No entanto nunca deixei de privar com eles por causa das suas escolhas sexuais.
Hoje em dia fala-se muito no direiro à diferença, mas quando a diferença lhes toca à porta, aí a conversa muda.
As demontrações de carinho em publico, não me incomodam absolutamente nada, desde que com conta, peso e medida.
Não vejo mal nenhum no facto de um casal de gays passear na rua de mão dada. Claro que isso provoca "gases" a muito boa gente.
O que não tolero mesmo são as bichas estéricas, isso é não. Quando vejo um grupo desses só me dá vontade de começar a distribuir murros e pontapés. O direito à diferença todos nós temos, mas que haja limites.
Beijinho

Teresa disse...

Um dos meus melhores namorados, daqueles perfeitos para mim e cujo namoro era ouro sobre azul para ambas as partes e famílias, terminou a nossa relação. Dois anos depois assumiu-se como sendo homossexual.

Honras lhe sejam feitas.

Aplaudo-te de pé.

Encho-me, cada vez mais, de orgulho pela oportunidade que nos demos de nos conhermos mais e melhor.

Beijinhos, Titta.
Até... Um dia destes... Já sabes...

Teresa disse...

E um grande abraço ao teu grande e velho amigo.

V. disse...

Pois eu digo : sejam gays, lésbicas, hetero, mas amem!

Desde que nenhuma lésbica me assedie (como já aocnteceu) e desde que não andem aí a "exibir" a sua saída do armário, tudo bem. Descrição e sobriedade.
Que isto ame-se quem se amar há coisas que são apenas de quem ama e os outros não têm nada com isso.

Muito peace, muito love!

Beijos!!

rosa disse...

tem graça, sem ter nenhuma, que isto varia mesmo de sítio para sítio... eu trabalhei 7 anos num local em que era sempre colocada à margem em detrimento de outros, que eram gays e lésbicas. ali, reinava o lobby gay, como nós lhe chamávamos. mas a culpa não era deles, era da chefia... nunca percebemos se ela era uma lésbica não assumida e recalcada, ou se fazia aquilo para ser diferente dos pares.

sempre nos démos bem, sem problemas associados aos gostos sexuais. só há um problema... partilhar uma mesa de café com gays é horrível... os gajos bons, aqueles que nós gostamos de comer com os olhos, só lhes ligam a ELES!!!!!

e não concordo quando dizes que é um amor diferente... somos todos iguais, as mesmas reacções, os mesmos medos, os mesmos problemas nas relações... a diferença só reside no sexo de quem se ama!

McLlyr disse...

“sobretudo uma imensa tristeza, enorme solidão”

Não saberia melhor descrever os sentimentos de quem não pode assumir a sua diferença, não pode amar como deseja…

Ana Oliveira disse...

Parabéns pelo post.
Ser-se Homossexual devia ser tomado por tão natural que nem seria preciso ter orgulho nos que se assumem, mas infelizmente não é!!
Cenas em público...todos os exageros são feios mesmo os hetero.

E já agora tens lá no meu sitio mais umas dicas sobre os cristais, espero que gostes.

Beijos

Ana